26 de abr. de 2006

A Matemática, O Mal de Amor e Harry e Sally


Quando estou arrasada de amor, desiludida ou achando que o universo conspira contra mim nas questões açucaradas (e deliciosas) do coração, remeto-me a um filme do tempo em que a escova progressiva ou a China ainda não estavam na moda: Harry e Sally – Feitos um para o outro. Quem não se lembra da cena em que a Meg Ryan simula um orgasmo feminino na frente do Billy Cristal, num restaurante cheio de gente?
Harry e Sally se conhecem, e, a princípio, não conseguem ver nada de saboroso em uma convivência entre duas pessoas tão diferentes. Alguns anos depois, voltam a se encontrar, e, mais algum tempo depois, passam a desenvolver uma íntima amizade, passam a perceber os prazeres que as diferenças agregam à convivência, em detrimento das naturais incompatibilidades. Mas um espectro marca toda a sua relação: poderão um homem e uma mulher ser amigos sem o desejo de dormirem juntos? Acabará o sexo com uma boa amizade? E será a amizade o caminho mais óbvio para um amor inevitável? Qual a fronteira que separa o amor fraternal, a admiração e o companheirismo da paixão?
Gosto de imaginar as pessoas como números. Sabemos que eles existem em infinidade. Cada número é único e definido, mas é da combinação dos números que saem os mais diversos e imprevisíveis resultados – às vezes indeterminados! Conheço algumas pessoas que me lembram os números complexos... e aqui sem trocadilhos!
Mas, devaneios aparte, muitos defendem que a paixão entre duas pessoas pode ser simplificada a uma explosão (temporária) de hormônios, e, naturalmente, com o passar do tempo, ela diminui – até porque, senão, não conseguiríamos fazer mais nada! A paixão corrói, queima, transforma, machuca, acelera o ritmo cardíaco e nos torna mais ansiosos... mas é uma delícia! Uma paixão nos reanima, nos torna mais vivos, faz bem pra pele, faz-nos atravessar um mês de agosto nos sentindo ensolarados, dá forma ao que não tem forma! Nunca me arrependi de nenhuma paixão que vivi, no máximo lamentei a parte de mim que ficou com cada uma delas...
Existem os que buscam o amor idealizado, e deixam de perceber o que os rodeia; existem os que acham q nunca o vão encontrar, e decidem se conformar com a primeira oportunidade que surge; existem os inseguros, que não se acham capazes de achar satisfação em um único relacionamento, e estão sempre de passagem... mas existe, acima de tudo, a busca pela pessoa que será a perfeita união entre o companheirismo e a paixão.
Mas, ainda prefiro acreditar que todos nascemos para aqueles momentos em que, no meio de tantas pessoas, em uma cruzada de olhares, sabemos que nossas vidas nunca mais serão as mesmas!

24 de abr. de 2006

FOR SALE

Pensei em entrar em liquidação. Colocar meu afeto a venda, na pechincha, e fechar a loja.
Tudo começou quando me decepcionei, profundamente. Pior do que decepção de amor romântico é decepção com amigo. Amigo é o dedão da mão, amigo é a cereja do doce, amigo é a gargalhada mais alta de nossa risada, amigo é a sétima cor do arco-íris. E me orgulho de ter alguns.
Um deles, em especial, que não vejo há quase dois anos, em uma conversa recente comigo, mostrou-se um ser humano tão mesquinho, umbiguista, prepotente, pernóstico, cruel... comigo! Comigo, que ofereci meu ombro para as suas dores de abandono. Comigo, que tomei porres para dividir com ele suas decepções. Comigo, que ri de suas piadas sem graça, que respondi bilhetes escritos em guardanapos em noites divertidas. Comigo, que fui com ele a uma linda praia celebrar a vida, depois de dias exaustivos de trabalho. Comigo, que chorei meu coração partido em seus ouvidos. Comigo, que pedi opiniões sobre as mais diversas inseguranças femininas... COMIGO!
E agora, depois de dois anos sem nos vermos – por motivos geográficos e afazeres cotidianos -, percebo que, durante esse período, enquanto eu imaginava “Como estará o meu amigo?”, “O que estará ele fazendo agora?”, “Será ele feliz?”, “Quando riremos juntos novamente?”, “Quando poderei dividir com ele essas questões de minha vida que ele fingia tão bem não se aborrecer em ouvir?”, ele apenas pensava “Ela é apaixonada por mim. Me amou, e me ama até hoje, e chora por mim diariamente. Coitada dela!”. Convenientemente, ele só chegou a essa – “brilhante!” - conclusão de dois anos pra cá, quando casou.
Se ele não fosse casado, e se eu não tivesse sido testemunha – e torcedora - de todo o processo amoroso dele, eu não me incomodaria com tal demência. Se nossa convivência não tivesse sido tão transparente e sinalizada, a cada minuto, com manifestações fraternas e de bem-querer, eu não me incomodaria com tal demência. É perfeitamente natural amigos se apaixonarem, mas não em nossa situação! Não confundindo sentimentos nobres em prol de uma auto-promoção ridícula!
Por isso, resolvi que entraria em liquidação. Meu afeto teria desconto agora. Últimas peças, por preço abaixo do tabelado. “Aproveite, que é por tempo limitado!”. Comecei a imaginar que todas as pessoas a quem dedico carinho e afeto fraternal estariam, agora, levianamente, da mesma forma, se vangloriando de um sentimento resultante de um surto psicótico privé.
Senti-me só, desgraçadamente só! Só, por imaginar que alguém tão próximo a mim possa não me conhecer a esse ponto... e o que é pior... só, por me surpreender tão ignorante em relação às pessoas que julgo amigas. Tão decepcionada comigo mesma! Repito... não que seja impossível alguém se apaixonar por um amigo, mas os verdadeiros amigos se conhecem. Se ele fosse realmente meu amigo, saberia que o brilho dos meus olhos é diferente quando estou apaixonada. Que não consigo encostar meus lábios quando estou apaixonada, que estou sempre com a sensação de quem precisa de um sal de frutas quando estou apaixonada, que o dia mais nublado é um jardim com borboletas quando estou apaixonada. Se ele realmente fosse meu amigo, saberia que essa atitude egocêntrica me magoou, sem precedentes.
Terminei essa conversa com esse (já não mais!) meu amigo, pensando em me colocar a liquidação, em vender o afeto que eventualmente eu ainda estivesse disposta a dividir.
Foi então, que me ocorreu um pensamento libertador, e depois desse pensamento, sorri, e fui dormir sem precisar nunca mais me preocupar com esse assunto: esse é um problema dele! É uma necessidade doentia dele imaginar que um amor fraternal precise ser distorcido dessa forma, para ele se sentir seguro. O problema é dele, e não meu!
Não estou mais em liquidação. O bazar fechou. Meu afeto pode não valer muito, mas saiu da promoção. E, amigos queridos - e poucos –, que eu eventualmente tenha... amo-os, verdadeiramente.

22 de abr. de 2006

SE

Conheci o Rudyard Kipling lá pelos meus catorze anos. Eu era uma adolescente atormentada por minhas dúvidas – a vantagem da tão proclamada maturidade é que hoje sou atormentada muito mais por minhas certezas!
Mas, na época de minhas espinhas mais abundantes, um amigo de meu pai me apresentou esse escritor. Aquele senhor, que eu já tinha acolhido também como MEU amigo, era – e ainda é! – bastante simpático e comunicativo, e sempre que podíamos, transformávamos nossas conversas de poucos minutos em lembranças de horas extremamente agradáveis! Ele tinha uma pasta preta, e dentro dela carregava uma infinidade de folhas, cada uma com um desenho ou um texto diferente.
Nesse dia, em especial, ele tirou esse poema, IF, da pasta. Segurou a folhinha com uma das mãos, e ergueu o outro braço de forma solene, tentando assumir ares de orador. De primeira, achei a cena interessante e até engraçada, até porque ser imprevisível era o q ele tinha de mais previsível!
Só consigo descrever nosso encontro até aí, pois quando ele começou a ler o texto, eu fui brutalmente tomada por aquelas palavras e mergulhei em uma espécie de transe! É impressionante como esse poema me afeta de forma devastadora! Lembro que a minha sensação, enquanto ele lia e aparentemente gesticulava, era de estar desbravando, descobrindo, me transformando.
Ele deve ter percebido a minha reação – ou a ausência dela – e, ao fim de sua leitura, deu-me a folhinha. Na época, tirei algumas cópias, transcrevi o poema para alguns cadernos, de forma que sempre o tinha perto de mim para ler e tentar resgatar a mesma emoção daquele momento.
Hoje, já não preciso usar desses artifícios, tenho o poema salvo em documento de Word em meu computador, mas ainda guardo aquela folhinha meio rasgada e amarelada, como prova de que existia vida antes de tanta tecnologia.
Muito tempo depois foi que tive a curiosidade de pesquisar sobre o Rudyard Kipling. Na verdade, por um bom tempo eu evitei para não me decepcionar, pois dificilmente qualquer outra obra dele me apaixonaria naquela intensidade. De qualquer forma, descobri, dentre outras coisas, que ele nascera na Índia, em Bombaim (eu sinto um estranho prazer em pronunciar essa palavra. Pego-me agora repetindo-a em voz alta enquanto digito!), e em 1984 lançou O livro da selva, que se tornou internacionalmente um clássico para crianças, também conhecido pelo seu personagem principal: o pequeno Mowgli.
Brindemos, então, a Rudyard Kipling, e à tentativa de seguir os conselhos de um pai a seu filho sobre como ser um homem de bem.

SE

Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!


Rudyard Kipling

19 de abr. de 2006

Pimenta de Cheiro e Flor de Maracujá



Mulher...
Minha primeira lembrança dela deve ser de meus quatro, cinco anos, na casa de meu avô, eu correndo com meus primos nos domingos de almoço da família, subindo na goiabeira ou chorando quando ela passava Merthiolate em meu joelho machucado. Na verdade, a primeira lembrança que me vem conscientemente é o aroma de pimenta de cheiro e flor de maracujá que ela exalava. Certamente – e há fotos que confirmam as minhas suspeitas – tivemos muitos outros momentos de cumplicidade anteriores, quando ela sorria e me pegava no colo, eu ainda bebê, maravilhada, desde já, com toda aquela beleza também sorria, desdentadamente. Essa admiração me perseguiu e existe até hoje dentro de mim, e foi fundamental em minha formação como mulher. Mas, nessa época, eu ainda não sabia da força que ela tinha, não sabia que era uma mulher destemida, com o propósito, muitas vezes, de contrariar os outros para satisfazer seus sonhos e desejos – sempre ilimitados! Não sabia eu que ela tivera, ao mesmo tempo, sete namorados, até que conhecera meu avô, e resolvera, com ele, dividir felicidades e agruras.
Mas, voltando aos domingos de almoço... lembro do quintal – todas as crianças deveriam ter direito a um quintal! - , e de um quartinho construído nos fundos, com uma grande escada – pra criança, todas as dimensões são mirabolantes - , onde meu tio mais velho morara durante sua juventude, antes de casar. Ignorávamos esse fato, e até duvidávamos! Eu e meus primos sempre imaginamos que dentro daquele quartinho, de paredes brancas descascadas, havia um laboratório secreto, cheio de tubos de ensaio e porções ferventes e esfumaçantes, como as do Visconde de Sabugosa.
Sempre fui muito ligada a eles. Meu avô, sempre delicado, amoroso, beijoqueiro e ciumento; ela, sempre disciplinando e ordenando, reclamando da postura, do jeito de andar... Hoje, ao lembrar disso, vejo como a fusão dos dois me deu todo o amor que eu precisava, e constato que fui uma criança insuportavelmente feliz!
Com ela, eu ia de mãos dadas ao centro da cidade, onde entrávamos em inúmeras lojas, provávamos centenas de roupas e calçados, muitas vezes sem nada comprar, e depois, não satisfeitas, lanchávamos caldo de cana com bolo de saia – para mim, a parte favorita do passeio!. Perdi a conta das vezes que confundiram-nos com mãe e filha, para orgulho de ambas, tamanha a semelhança física. Mas era verdade, eu era ela, ela era eu, duas frações de uma única pessoa, caminhando juntas. Ela me obrigava a comer os alimentos de que eu não gostava, mas supostamente faziam bem à saúde. Ela segurava a minha mão quando eu não tinha equilíbrio para andar sozinha, ela me guiava na vida, e era impossível imaginar-me sem ela.
Os anos foram passando, e eu, que costumava olhar para cima para sempre admirar aquela bela e forte mulher, acabei tendo que curvar o pescoço para beijá-la. Não fazemos mais os passeios ao centro da cidade, são muito cansativos, e os shopping centers são uma alternativa bem mais confortável. Substituímos o bolinho de saia e o caldo de cana pelo sanduíche natural e o suco de frutas com soja. Mas continuamos sendo uma. Eu sou ela, e ela, eu. Eu a obrigo a comer alimentos de que ela não gosta, mas supostamente fazem bem à saúde. Eu seguro a sua mão quando ela não tem equilíbrio para andar sozinha. Hoje, ela já não me guia na vida. Somos como dois golfinhos nadando, lado a lado, em sincronia.
Os anos nos fizeram bem, continuamos sendo uma só, em idades diferentes, vivendo-as simultaneamente. Recentemente, ela deu provas de que é bem mais forte do que qualquer um pudesse imaginar. Qualquer um, menos eu! Desde pequenininha, quando senti pela primeira vez aquele aroma de pimenta de cheiro e flor de maracujá, eu já sabia: a minha vovó é imortal!

12 de abr. de 2006

A Arte de Comer Caranguejo

Comer caranguejo é uma arte. Arte porque, haja cuidado, haja técnica, haja desleixo... sim, você vai se sujar! Comer caranguejo, então, é a arte da lambança, uma homenagem ao sabor e ao rosto melado.
Comer caranguejo começa muito antes de sentar e degustá-lo. Começa num dia de sol, bonito e quente, de preferência um domingo. Começa com os telefonemas para convocar os participantes do banquete tropical. Começa na vontade de sentar com os amigos, em uma palhoça na praia, tomar água de côco (cerveja,guaraná...) bem gelada, sentindo o cheiro de bronzeador de cenoura que a moça da mesa ao lado está usando.
Amigos e pessoas próximas, sim. Nunca fiz amigos comendo brócolis... Comer caranguejo é um ato íntimo, de pessoas que têm cumplicidade – para primeiros encontros românticos e demais situações delicadas, existe o higiênico e civilizado ensopado de caranguejo!. Mas este, apesar de saboroso, não substitui o caranguejo propriamente dito. Nada substitui o prazer de arrancar dos recipientes ensopados de caldo e verduras o fumegante e vermelho caranguejo, queimar os dedos, ralá-los tentando quebrar as patas, salpicando em você – porém não apenas em você! – o caldo, lamber os dedos, travar uma luta para conseguir tirar dali algumas migalhas de sua saborosa carne... e é nessa hora que você percebe como a Lei de Murphy é perfeita, quando algum celular na mesa, que há horas não tocava, resolve disparar, e ninguém está de mãos limpas para atendê-lo. E entre um caranguejo e outro, risadas gostosas, um delicioso banho de mar, uma partida de frescobol, encontros inesperados, chuva de areia causada por crianças que brincam, o triângulo do vendedor de dindin, de doce, de amendoim, de ostras, de picolé Kibon...
Exausto, após dezenas de batidas, de patas, de lambe-dedos, do sol e do cheiro de cenoura (sim, a moça ao lado decidiu fritar, e passa mais uma porção do bronzeador!) você decide comer, e pede um ensopado, uma batata-frita, um peixe... algo para “complementar” a refeição.
Termina mais um domingo na praia, divertido, saboroso e inesquecível!! Teclo agora com os dedos machucados, da minha investida de hoje... dedos machucados, porém alma extremamente feliz!!

5 de abr. de 2006

O Garçom de Botequim Que Falava Francês e Outros Acontecimentos da Semana

Em meio a uma semana calma e comum, deparei-me com o garçom de botequim que falava francês! Não vou negar que esse fato realmente ficou entre os marcantes da semana, afinal, não é todo dia que vemos um poliglota servindo em mesa de bar pequeno e barato!

Adoro botequins, e isso não é novidade. Poucas mesas, tira-gostos baratos, bebida em doses sempre maiores que nos demais estabelecimentos (e com variedade limitada), e as boas surpresas! Não é em todo lugar que podemos ter a minha satisfação de poder tomar uma crush, ou um guaraná Baré, ou ainda nos aventurarmos a provar uma marca de cerveja cuja melhor propaganda mais parece um calendário de oficina mecânica de beira de estrada!.

Da mesa onde eu estava – na calçada, sempre! - , via um DVD de um show de axé, ou forró – ignoro- , mas era um dos dois, pois tinha aquelas interessantíssimas bailarinas de cabelos tingidos e micro-saias brancas, dançando com parceiros que deviam ter metade de seu peso.

E nesse momento chega o garçom. Garçom de botequim é sempre extremamente simpático, ou está sempre correndo, para atender, sozinho, os seis pedidos feitos de uma vez... uma pinga na mesa um; um frango a passarinha na mesa 2 (mas vê lá, hein, garçom, não vai me trazer só asa de frango!). Nesse caso, o garçom era uma estranha fusão dessas duas características. Chegou em meio aos torpedos das outras mesas para atender a minha. Eu, freguesa cativa de botequim, já estava com o meu pedido na ponta da língua, para que o pit stop do garçom não fosse além do planejado. Quando o pedido foi prontamente atendido, soltei um distraído merci beaucoup, que foi rebatido com um instantâneo il n´y a pas de quoi.

Esse breve diálogo não me perturbou durante três vodkas, quando comecei a refletir sobre o ocorrido. O que leva um garçom de botequim a falar francês?, será que ele também responderia em alemão, russo ou japonês?. Senti uma quase irresistível vontade de chamá-lo para conversar sobre os mais diversos assuntos que me afobaram durante essa semana: desde o banimento do leite da merenda das escolas públicas americanas até a bombástica noticia anunciada pelas indústrias de brinquedos de que a Barbie estaria se reconciliando com o Ken, anos após tê-lo trocado por um bonequinho metrossexual de meia tigela... Teria a Barbie cansado da falta de conteúdo do namorado?, estariam as crianças americanas com o colesterol alto justamente por causa do leite, e não dos sanduíches do McDonald´s?? Creio que só uma pessoal com um perfil tão pitoresco quanto esse garçom poderia entender as minhas dúvidas e buscar comigo soluções alentadoras! Mas me controlei, não o chamei! Em vez disso, diverti-me – enquanto ainda havia vodka em meus devaneios – tentando imaginar onde ele havia aprendido francês, e com que finalidade, e, sobretudo, por que ele era garçom de botequim! Seria ele um agente secreto, procurando pescar confissões de clientes que freqüentam botequins achando ser lá um lugar seguro para se conversar sobre os mais escusos assuntos?, teria ele perdido seu emprego e seu grande amor, e nada mais lhe restava se não servir caldinho de peixe e cerveja morna?

Fui dormir ainda com a mente iluminada (por várias cores) por todas essas conjecturas, ignorando que provavelmente ele escutou essa frase de algum cliente, ou pretende seguir carreira de garçom em algum cafe na França – juntando o que ganha de gorjeta, claro!