Pensei em entrar em liquidação. Colocar meu afeto a venda, na pechincha, e fechar a loja.
Tudo começou quando me decepcionei, profundamente. Pior do que decepção de amor romântico é decepção com amigo. Amigo é o dedão da mão, amigo é a cereja do doce, amigo é a gargalhada mais alta de nossa risada, amigo é a sétima cor do arco-íris. E me orgulho de ter alguns.
Um deles, em especial, que não vejo há quase dois anos, em uma conversa recente comigo, mostrou-se um ser humano tão mesquinho, umbiguista, prepotente, pernóstico, cruel... comigo! Comigo, que ofereci meu ombro para as suas dores de abandono. Comigo, que tomei porres para dividir com ele suas decepções. Comigo, que ri de suas piadas sem graça, que respondi bilhetes escritos em guardanapos em noites divertidas. Comigo, que fui com ele a uma linda praia celebrar a vida, depois de dias exaustivos de trabalho. Comigo, que chorei meu coração partido em seus ouvidos. Comigo, que pedi opiniões sobre as mais diversas inseguranças femininas... COMIGO!
E agora, depois de dois anos sem nos vermos – por motivos geográficos e afazeres cotidianos -, percebo que, durante esse período, enquanto eu imaginava “Como estará o meu amigo?”, “O que estará ele fazendo agora?”, “Será ele feliz?”, “Quando riremos juntos novamente?”, “Quando poderei dividir com ele essas questões de minha vida que ele fingia tão bem não se aborrecer em ouvir?”, ele apenas pensava “Ela é apaixonada por mim. Me amou, e me ama até hoje, e chora por mim diariamente. Coitada dela!”. Convenientemente, ele só chegou a essa – “brilhante!” - conclusão de dois anos pra cá, quando casou.
Se ele não fosse casado, e se eu não tivesse sido testemunha – e torcedora - de todo o processo amoroso dele, eu não me incomodaria com tal demência. Se nossa convivência não tivesse sido tão transparente e sinalizada, a cada minuto, com manifestações fraternas e de bem-querer, eu não me incomodaria com tal demência. É perfeitamente natural amigos se apaixonarem, mas não em nossa situação! Não confundindo sentimentos nobres em prol de uma auto-promoção ridícula!
Por isso, resolvi que entraria em liquidação. Meu afeto teria desconto agora. Últimas peças, por preço abaixo do tabelado. “Aproveite, que é por tempo limitado!”. Comecei a imaginar que todas as pessoas a quem dedico carinho e afeto fraternal estariam, agora, levianamente, da mesma forma, se vangloriando de um sentimento resultante de um surto psicótico privé.
Senti-me só, desgraçadamente só! Só, por imaginar que alguém tão próximo a mim possa não me conhecer a esse ponto... e o que é pior... só, por me surpreender tão ignorante em relação às pessoas que julgo amigas. Tão decepcionada comigo mesma! Repito... não que seja impossível alguém se apaixonar por um amigo, mas os verdadeiros amigos se conhecem. Se ele fosse realmente meu amigo, saberia que o brilho dos meus olhos é diferente quando estou apaixonada. Que não consigo encostar meus lábios quando estou apaixonada, que estou sempre com a sensação de quem precisa de um sal de frutas quando estou apaixonada, que o dia mais nublado é um jardim com borboletas quando estou apaixonada. Se ele realmente fosse meu amigo, saberia que essa atitude egocêntrica me magoou, sem precedentes.
Terminei essa conversa com esse (já não mais!) meu amigo, pensando em me colocar a liquidação, em vender o afeto que eventualmente eu ainda estivesse disposta a dividir.
Foi então, que me ocorreu um pensamento libertador, e depois desse pensamento, sorri, e fui dormir sem precisar nunca mais me preocupar com esse assunto: esse é um problema dele! É uma necessidade doentia dele imaginar que um amor fraternal precise ser distorcido dessa forma, para ele se sentir seguro. O problema é dele, e não meu!
Não estou mais em liquidação. O bazar fechou. Meu afeto pode não valer muito, mas saiu da promoção. E, amigos queridos - e poucos –, que eu eventualmente tenha... amo-os, verdadeiramente.
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