22 de abr. de 2006

SE

Conheci o Rudyard Kipling lá pelos meus catorze anos. Eu era uma adolescente atormentada por minhas dúvidas – a vantagem da tão proclamada maturidade é que hoje sou atormentada muito mais por minhas certezas!
Mas, na época de minhas espinhas mais abundantes, um amigo de meu pai me apresentou esse escritor. Aquele senhor, que eu já tinha acolhido também como MEU amigo, era – e ainda é! – bastante simpático e comunicativo, e sempre que podíamos, transformávamos nossas conversas de poucos minutos em lembranças de horas extremamente agradáveis! Ele tinha uma pasta preta, e dentro dela carregava uma infinidade de folhas, cada uma com um desenho ou um texto diferente.
Nesse dia, em especial, ele tirou esse poema, IF, da pasta. Segurou a folhinha com uma das mãos, e ergueu o outro braço de forma solene, tentando assumir ares de orador. De primeira, achei a cena interessante e até engraçada, até porque ser imprevisível era o q ele tinha de mais previsível!
Só consigo descrever nosso encontro até aí, pois quando ele começou a ler o texto, eu fui brutalmente tomada por aquelas palavras e mergulhei em uma espécie de transe! É impressionante como esse poema me afeta de forma devastadora! Lembro que a minha sensação, enquanto ele lia e aparentemente gesticulava, era de estar desbravando, descobrindo, me transformando.
Ele deve ter percebido a minha reação – ou a ausência dela – e, ao fim de sua leitura, deu-me a folhinha. Na época, tirei algumas cópias, transcrevi o poema para alguns cadernos, de forma que sempre o tinha perto de mim para ler e tentar resgatar a mesma emoção daquele momento.
Hoje, já não preciso usar desses artifícios, tenho o poema salvo em documento de Word em meu computador, mas ainda guardo aquela folhinha meio rasgada e amarelada, como prova de que existia vida antes de tanta tecnologia.
Muito tempo depois foi que tive a curiosidade de pesquisar sobre o Rudyard Kipling. Na verdade, por um bom tempo eu evitei para não me decepcionar, pois dificilmente qualquer outra obra dele me apaixonaria naquela intensidade. De qualquer forma, descobri, dentre outras coisas, que ele nascera na Índia, em Bombaim (eu sinto um estranho prazer em pronunciar essa palavra. Pego-me agora repetindo-a em voz alta enquanto digito!), e em 1984 lançou O livro da selva, que se tornou internacionalmente um clássico para crianças, também conhecido pelo seu personagem principal: o pequeno Mowgli.
Brindemos, então, a Rudyard Kipling, e à tentativa de seguir os conselhos de um pai a seu filho sobre como ser um homem de bem.

SE

Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!


Rudyard Kipling

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