16 de mai. de 2006

O Palhaço Que Sabia Demais


O palhaço... Esse ser entre o engraçado e o ridículo, perdido entre tanta maquiagem e pano, o palhaço.

As primeiras lembranças que tenho de palhaços são nas festas infantis. Geralmente, o próprio aniversariante está tão apavorado, que não entende porque seus pais o submeteram a tal tortura. Alguém conhece alguma criança de colo, que não chore, quando próxima a um palhaço - em sua festinha de aniversário de dois anos - que insiste em rir e pular?, eu não conheço. Particularmente, não me lembro dessa fase de minha vida, mas tenho quase certeza de que também chorei, todas as vezes que um palhaço esteve a menos de dois metros de mim – e, por isso, a minha tolerância limita-se aos palhaços de circo, sempre mantidos a uma segura distância. Mas, esses que nos assustam, que nos fazem chorar, não são os verdadeiros palhaços.

O falso palhaço acredita-se engraçado sem realmente ser, ri de suas insossas piadas antes de todos os outros, e não vê a hora de tirar a fantasia. Ele não é palhaço, ele está palhaço – ou pelo menos tenta. O falso palhaço sente um enorme alívio ao se perceber não-palhaço, ao fim do espetáculo. Ele não traz alegria, não diverte, não emociona, não nos proporciona a possibilidade de sonhar e navegar, por breves momentos, por água amenas e inocentes. Por um simples motivo: ele não acredita. No fundo, ele se acha bobo, sente vergonha, e tem uma inveja engasgada e triste de todos os que não a têm. Ele é o modelo que nos inspira a chamar aquele cunhado desagradável ou o vizinho briguento de “palhaço”.

Mas, voltemos aos verdadeiros palhaços. Os que realmente são palhaços, enquanto estão no palco, sentem-se palhaços, sorriem, correm, dançam, caem e cantam como palhaços. As gargalhadas são seu combustível, e não o resultado buscado ao final de cada espetáculo. O verdadeiro palhaço imagina-se palhaço, acredita-se palhaço. Por isso, ele chora ao fim do espetáculo. Pois ele morre, sempre morre! Ponho-me a imaginar o exato momento em que, ao fim do espetáculo, o palhaço tira a sua maquiagem, e, vendo de novo o seu rosto no espelho, chora. Acabou a fantasia, acabou a risadagem, ele não é mais o centro daquela alegria, daquele universo paralelo de sorrisos e doces, elefantes e trapezistas, cheirando a lona e madeira. Agora é voltar aos problemas e à realidade, às sucessivas provações e fracassos –sem direito a pipoca.

É preciso muita coragem para ser palhaço, para viver sempre no limiar do ridículo, sem realmente sê-lo. O verdadeiro palhaço, ao constatar que deixou de sê-lo realmente, após água, algodão e sabonete, sai, caminhando, com as mãos nos bolsos, e com aquela sensação vazia.

Por um momento – apenas por um breve momento – ele imaginou que, dessa vez, não precisaria tirar aquela maquiagem... Ao contemplar, com ar decepcionado, o seu rosto, mal consegue ouvir, em sua memória, aquelas risadas gostosas das crianças, entre pipoca e algodão doce, a cada tropeço seu no palco. E ele sorri um sorriso triste, imaginando como foi capaz de um outro mais expressivo e sincero há tão poucos instantes.

6 de mai. de 2006

O Prosperar Contínuo do Desejo



Engana-se quem ainda não vê relação entre a Economia e a Felicidade. Hoje, muito se fala sobre Felicidade Interna Bruta de um país (FIB). Assim como o PIB, o FIB é um índice, mas diferentemente daquele, esse mede o grau de satisfação de uma população com sua qualidade de vida. Não é de hoje que se relaciona a felicidade com as condições econômicas de um determinado país. Adam Smith, o autor de A Riqueza das Nações, já discutia a felicidade em Teoria do Sentimento Moral.
O conceito de Felicidade Interna Bruta surgiu na década de 1970, no Butão, um pequenino e distante reino isolado no Himalaia, de cultura tradicional budista, para rejeitar a idéia de que o desenvolvimento deveria ser uma cópia exata do Primeiro Mundo. Lá, a felicidade do povo é um dos objetivos do governo, e esta busca se baseia em quatro pilares: incentivo à cultura, preservação do meio ambiente, independência econômica externa e bom governo. Foram implantados sistemas de saúde e educação universais que aumentaram significativamente a qualidade de vida da população. Satisfeitas essas primeiras necessidades, outros fatores passam a afetar o índice de Felicidade Interna Bruta: as relações sociais, o tempo que se consegue passar com família e amigos, saúde, e o grau de satisfação no trabalho – ou o desemprego.
Começamos a falar, então, sobre o que o economista alemão Johannes Hirata, define como bem-estar subjetivo. Ora! Subjetivamente, quanto mais pessoas ricas em uma sociedade, mais os pobres vão se sentir pobres. Subjetivamente, na medida em que um indivíduo alcança os objetivos que supostamente o fariam feliz, ele criará outros para justificar a – ainda – busca pela felicidade. Isso explica porque um país como o Butão, que rejeitava o modelo de consumo, hoje, com sua população educada e saudável, quer mais é consumir. Quando um país é muito pobre, quando a pessoa passa fome, ela não está feliz. Um aumento de bem-estar material traz felicidade, mas só até certo ponto, onde ela pára de crescer. Esse fenômeno reforça uma idéia que tem raízes na escola utilitarista do século XIX, segundo a qual a utilidade marginal de qualquer coisa é decrescente. A segunda barra de chocolate dá menos prazer que a primeira e assim por diante. É um paradigma usado como argumento para a importância da distribuição de renda e de o Estado destinar mais dinheiro às políticas que beneficiem os mais pobres. A correlação entre renda e felicidade nos países ricos mostra que, ao longo do tempo, eles não ficam mais felizes quando crescem. Isso acontece, por exemplo, com os Estados Unidos, onde não há aumento do bem-estar subjetivo faz muito tempo. Eles começaram a medir isso em 1946. A renda per capita lá deve ter aumentado no período entre 200 e 300%, mas não houve aumento significativo da felicidade. Reflexos de uma sociedade capitalista, sempre insaciável: o dinheiro dá muita felicidade para quem tem pouco, mas ajuda pouco quem já tem muito.
Fico, ainda, a me questionar... o que é felicidade?, qual o patamar a que deveremos chegar para nos sentirmos plenamente felizes? Sinto a minha felicidade em jogo, com todas essas questões...
Em recente entrevista, o psicanalista Flávio Gikovate defendeu a teoria de que o ser humano não está preparado para a felicidade, e vive “sabotando” as possibilidades de alcanlçá-la. Por exemplo, o indivíduo define como seu sonho, seu protótipo de felicidade e realização, adquirir um determinado carro. A probabilidade de ele procurar – mesmo que inconscientemente - que haja qualquer eventualidade que apague do objeto de desejo a aura que o sonho embute, e o transforme em algo abaixo do que seria o ideal, para que ele possa usá-lo tranqüilamente e não precise conviver com a insuportável sensação que já atingiu plenamente o que o faria feliz – tendo em vista não ser isso verdade mesmo – é muito grande. Alarmantemente, o mesmo raciocínio pode ser usado em nossas relações interpessoais, principalmente as de fundo romântico.
Só posso concluir concordando com o filósofo Thomas Hobbes, quando disse que a felicidade é o prosperar contínuo do desejo. Essa mesma felicidade, que “brilha tranqüila, depois de leve oscila, e cai como uma lágrima de amor”.
Aguardo outros estudos sobre felicidade. Quem sabe, no próximo, a felicidade é associada a baixas na taxa de colesterol!

3 de mai. de 2006

Shhhhhhhhhhhh!!!

Há coisas que a gente não percebe por serem muito pequenas para serem vistas; outras, por serem imensas!
Eu estava em um shopping center há alguns dias, sentada, tomando café e lendo, quando despertei para o universo ao meu redor. Olhei em volta, pessoas passando, algumas apressadas, algumas sorrindo, algumas absortas em seus pensamentos. A vendedora forçando um sorriso para a cliente indecisa e aborrecida. O adolescente comendo pizza com a namorada. As colegas de trabalho tomando sorvete no intervalo entre os turnos. O casal apressado para não perder a sessão de cinema.
Tentei imaginar que aquele prédio era uma imensa televisão, e que o controle remoto estava em minhas mãos. De repente, eu resolvo baixar o volume, até que viramos filme mudo. Nada de música ambiente, nada de argumentos, conversas ou pedidos. Começo a ver todas as pessoas sem o som, sem aquela nuvem de freqüências sonoras que nos molha lá de cima. Seus movimentos - de alguns, desengonçados; de outros, em vigilância. Suas expressões faciais. A criança que quer impor à mãe a sua vontade negada – talvez um sorvete, talvez um brinquedo: ela não apenas berra, mas também se movimenta irritantemente, como se o som que emitisse não fizesse mais efeito. A garota, tímida, na loja de CD´s, sentindo-se completamente alheia e isolada do mundo: não está mais, o silêncio me fez percebê-la. As amigas que fingem conversar, enquanto, na realidade, estão avaliando a aparência uma da outra: seus cabelos, seus sapatos, suas maquiagens. O grupo de adolescentes, que insistem em movimentos caricatos para provarem aos outros – e a si mesmos – que fazem parte de uma determinada tribo.
É interessante observar as pessoas e as situações sem o som. Qualquer dia desses, farei esse mesmo exercício em uma feira livre!
Partindo, então, desse prazer de, às vezes, nos abstrairmos de todo e qualquer impulso sonoro, resolvi listar alguns momentos em que o silêncio nos é perceptível, e extremamente reconfortante:
- após o ensaio de saxofone do vizinho;
- ao desligar a TV, minutos depois do início do horário da propaganda política eleitoral;
- conseguir ouvir o virar da página do livro que estamos lendo;
- o cessar da chuva da madrugada;
- o sorriso cúmplice e apaixonado, que dispensa palavras;
- o exato momento em que o filme se encerra, e as luzes do cinema se acendem;
- o consentimento de um abraço, a partir de um olhar;
- perceber o momento em que a pilha do relógio da sala acabou.

A magia do silêncio está em termos consciência de que ele é extremamente frágil, uma bolha de sabão a ser estourada a qualquer momento. E então, mergulharmos, novamente, em nosso universo de músicas, inflamados debates e todos os demais instrumentos da orquestra que toca a sinfonia de nossa selva de pedra.

1 de mai. de 2006

Cansei-me de Esparta... Vou a Atenas!


Cansei-me de Esparta!
Cansei-me de obedecer hora pra acordar, hora pra dormir, hora pra comer, hora pra trabalhar... cansei-me de obedecer hora. Mas, sobretudo, cansei-me de obedecer! Quero dar férias não-remuneradas ao meu relógio e às minhas obrigações. Quero dormir tarde, acordar tarde... quero não saber de que horas fui dormir, muito menos de que horas acordei! Quero, por alguns dias, cheirar a vinho e maresia.
Em Atenas sou livre, sou feliz, sinto minhas asas e posso voar.
Quero, portanto, dar férias, de mim, ao Estado – ele merece!
Resolvi viajar. Durante três dias esquecer celular, buzina e compromissos. Esquecer contas a pagar, amores mal resolvidos e metas a alcançar. Minha única meta será dedicar-me ao bom papo, à gelada água de côco na beira da praia, ao protetor solar com cheiro de canela e ao crepe doce com bola de sorvete ao pôr-do-sol. Embriagar-me de álcool e tranqüilidade. Entregar-me aos banhos de piscina noturnos e às taças de vinho, ao flerte descompromissado, e alegremente ignorar a existência da Internet (inter o quê?).
Ouvir reggae, dançar descalça, fumar cigarro de menta, tomar sorvete artesanal e passar horas nas piscininhas formadas quando a maré fica baixa e as pedras ficam à vista.
E o melhor de tudo... não me sentir culpada por ignorar, enquanto durem esses deliciosos momentos, a vida espartana. Pois ela continua lá, frenética, sonora, corrida, resfolegante, esperando por mim... tenho certeza!