31 de jul. de 2006

Eu, Zen, e Aqueles Dias Em Que a Gente Se Sente Como Quem Partiu Ou Morreu...



Ir ao trabalho é uma atividade tão corriqueira quanto almoçar ou escovar os cabelos. Executamos essas atividades, diariamente, até o ponto em que se tornam mecânicas e não percebemos, muitas vezes, as nuances desses momentos.

Foi assim com aquela manhã em que cheguei ao meu trabalho. Manhã chuvosa, cinza, fria, sem vontade de ser manhã. Desliguei o carro, ainda ao som do Chico Buarque e sua Roda Viva, e olhei para frente, para o vidro do carro.

Dentre tantas gotas de chuva, uma gota, aquela gota, caiu naquele momento, parecendo uma lágrima longa e cheia, dançando pelo vidro. Nenhuma das outras gotas, esmagadas, desmanchadas por todo o vidro tinham aquela tristeza. E, naquele momento, não existia mais eu, e não existia mais a gota. Eu me converti em gota, em objeto em queda livre amortecida; e a gota, até então exterior ao meu ser, subitamente se convertera a algo interior a mim. Mente, corpo e água se fizeram completamente transparentes, perdendo, momentaneamente, sua opacidade existencial. Éramos um só, o reflexo do universo em conjunção naquele momento, concorrendo simultânea e paralelamente para seu harmônico e contínuo andamento. Esquecemos. Deixamo-nos, iluminar uma pela outra, e esquecemos. Esqueci que não era gota de chuva, a chuva esqueceu que não estava dentro de mim. Fomos um! A exteriorização do interior, a interiorização do exterior. A junção absolutamente indiferenciada e indivisível: uma pura consciência sem sujeito nem objeto.

De repente, ela findou, terminou de chorar, fez seu trajeto e morreu. Voltei a ser eu, ela já não era mais gota. Ao piscar os olhos, percebi que ainda estava no carro, o rádio ainda ligado, Chico ainda cantando.

Fechei tudo, desci do carro e fui trabalhar, ainda com uns versos do T.S.Elliot brincando em minha mente:

Música tão profundamente escutada que
Já não a escutamos, posto que nós mesmos
somos música enquanto dura...

5 comentários:

Anônimo disse...

E ainda dizem que a internet não traz nada de bom. Ledo engano. A internet, mais especificamente o Orkut, me trouxe Lisavieta. Lisa que não conheço pessoalmente, mas já faz parte da minha vida. Lisa que não me conhece pessoalmente e que me ajuda sempre que peço.
Lisa que me emociona com sua sensibilidade, com seus textos.
Bendito, Orkut!

Olá! Eu sou a Sâmia! disse...

Lindo texto Lisa!

Eu já me senti assim. É aquele momento em que o mundo pára de girar por alguns segundos, e tudo o que vc sente é a música e ao mesmo tempo escuta e sintoniza com as batidas de seu coração.
No momento seguinte somos trazidos à realidade, mas a sensação de paz fica conosco.

Bençãos a vc, que sempre esteja tão sintonizada a sua alma quanto como eu senti hoje, ao ler seu texto.

Olga disse...

Lisa,

Você captou a perfeita sensação daquele momento único em que "o mundo para de girar" para escutarmos nossa própria melodia. Seu texto é simplesmente lindo, delicado e sensível. Parabéns !

Bjs,
Olga.

Anônimo disse...

Oi Lisa


Seus textos são um prazer para a
alma. O transporte é a emoção. Fiquei sem saber quem eu era, mais confusa que a chuva; como vc diz sem sujeito e sem objeto. Parabéns mais uma vez.
Um abraço

Unknown disse...

Porque será que são os momentos de angústia que inspiram?
Parece um soco no estômago, um raio paralizante...e, de uma hora para a outra, nossa vida parece dominada pelo pretérito imperfeito.
Ainda bem que tivemos nossos momentos, nossos dias, onde eu e você fizemos e acontecemos. Estes são os instantes que contam.
Um abraço.