Como mais órfã que me sinto, sempre que somem de nosso cenário, por serem chamadas para a eternidade, as pessoas que se vão inconsolavelmente cedo -, fico, aqui, imaginando o conceito da palavra Imortalidade.
Milan Kundera, em seu romance “A Imortalidade”, classifica-a como pequena e grande. A pequena imortalidade é a recordação de uma pessoa no espírito daqueles que a conheceram. A segunda, é a recordação de um homem no espírito daqueles que não o conheceram, como acontece com pessoas que deixaram um traço, uma história. Pessoas que afetaram, em maiores proporções, o mundo de que fizeram parte. Ou, parafraseando o Jorge Luís Borges, quando um único homem imortal é todos os outros homens.
A busca pela imortalidade é algo constrangedoramente interessante de ser verificado. Dos remotos tempos até nossos dias, desde romances conturbados, gravidezes contestadas, crimes hediondos, até participações em Big Brothers, o sonho dos quinze minutos de fama que se tornarão eternos é perseguido. Algumas pessoas não se contentam em ser pequenos imortais, pelo simples fato de que não se acreditam assim, não se acham boas o suficiente para serem lembradas ou, o que é ainda mais aterrorizante, para despertarem nos outros comoção por sua ausência. E estão sempre gesticulando neuroticamente, tirando a roupa, falando um pouco mais alto, na tentativa de serem ouvidas, já que não suportam, sozinhas, suas próprias vozes.
Já os grandes imortais, via de regra, não estão com essa preocupação latente. Eles fazem o que fazem, vivem suas idéias e as refletem em seus ofícios por uma razão muito simples: eles não têm opção! Não há como guardar aquilo – que pode ser chamado de dom, persistência, excentricidade ou sonho – dentro deles, sem deixar jorrar! Eles contaminam o mundo – seja o mundo uma grande população ou aquelas dez pessoas que foram afetadas pela sua existência -, e se tornam imortais, ainda na condição de mortais, ainda vivos, ainda perseguindo o que nem sabem se vão encontrar.
O conceito de grande imortalidade é maravilhosamente descrito por Arthur Schopenhauer,em 'Aforismos': “Certo dia, quando recolhia espécimes por baixo de um carvalho, encontrei, entre as outras plantas e ervas daninhas, e do mesmo tamanho que elas, uma planta de cor escura com folhas contraídas e um caule direito e rígido. Quando ia tocar-lhe, disse-me com voz firme: «Deixa-me em paz! Não sou uma erva para o teu herbário, como as outras a quem a natureza deu apenas um ano de vida. A minha vida mede-se em séculos. Sou um pequeno carvalho.» Assim é aquele cuja influência se fará sentir ao longo dos séculos, quando criança, quando jovem, muitas vezes já quando homem, uma criatura viva aparentemente igual às restantes e tão insignificante como elas. Mas basta que lhe dêem tempo e, com o tempo, pessoas que saibam reconhecê-lo. Não morrerá como os restantes.
As pessoas saem de cena, mas fica o que chamamos de Imortalidade, que temo ser, em última instância, a necessidade desesperada de nos apegarmos à memória de tudo que soma, de tudo que pode se desmanchar no ar, para não termos que aceitar viver em um mundo prodominantemente medíocre!