
Sonhei que, em mais uma manha, eu acordava angustiada - após sonhar com a vida que não tenho, com os projetos mil que fervilham em minha mente e não realizo, com as pessoas que amo e que me esqueço frequentemente de lembra-las disso, já que o dia passa tão rápido, que nem sinto, posto que já sou um zumbi das horas.
Em meu sonho, temo que o amor seja apenas um prefacio para o sofrimento; a desilusao, o primeiro parágrafo da segunda pagina; a solidão, o irremediável prólogo da obra.
No fervilhao de acontecimentos que parecem me rodear, sonho estar alheia a eles, ser alheia ao cenário em que acidentalmente me insiro, quase invisível, imperceptível, já que todos estão sempre muito ocupados para olhar de lado. E a vida passa.
Sonho que a vida passa, e um dia acordo, e não me reconheço ao me olhar no espelho. Em meu sonho, o tempo transcorre, e eu não me vejo. E, quando me vejo, já não me reconheço. Já não vejo mais os traços de esperança e feliz inocência. Vejo rugas, muitas rugas. Rugas de tempo perdido.
Em meu sonho, remeto-me a um outro sonho que tive ( o sonho do sonho???), e que povoa a minha mente desde então: o sonho das agulhas. Sonho estar sentada em uma cadeira de madeira, em uma sala espaçosa e quase vazia. Em uma segunda cadeira, está sentado um homem sem rosto (vejo o seu cabelo, sei que ele é alto, sei o tom de sua voz... mas não vejo seu rosto). Esse homem possui uma agulha em sua mao direita, e costura uma linha fina, finíssima, por entre as veias do meu pulso. Ao terminar, o homem, ainda segurando a agulha que prende a linha finíssima, me diz calmamente: “Puxa, quero ver se você tem coragem de puxar”.
E o pior, o mais angustiante, é a minha dúvida... puxo o meu braço ou não??, a linha é muito fina, mas será meu pulso capaz de resistir? Como medir a fragilidade? A angustia da duvida supera qualquer dor física.
O sonho do meu sonho angustia o meu sonho, me faz suar, temer, chorar. E quando a fome, a dor, a solidão e a exaustão me invadem, ainda sofro por não ser capaz de puxar o meu braço.
Acordo. Afinal, mais um dia começa. Foi só um sonho, mais um sonho.
Ao sentar na cama, ainda sonolenta, olho os meus pulsos. Durante todo o dia (e os demais dias e semanas), de vez em quando, checo os meus pulsos – não custa nada checar!!