14 de mai. de 2009

A Vida, em 257 Páginas


O psicanalista Contardo Calligaris, em entrevista concedida no ano passado, defendeu que a vida deve ser vivida como uma história que vale a pena ser contada; que qualquer vida deve ter a dignidade de merecer se tornar um romance. Não me contive, e comecei a imaginar... se eu pudesse escolher, que romance eu gostaria que fosse a minha vida?.

Provavelmente teria traços de romances como os do Milan Kundera, com foco na delicada - porém complexa - fragilidade da alma e dos sentimentos, e no leque de emoções que encerram as relações humanas. Nós, seres humanos, precisamos uns dos outros, mas nem sempre conseguimos conviver. E os romances do Kundera tratam da dor de termos que nos transformar constantemente , inventar novas maneiras de conviver, sentir, amar, em uma sociedade onde os nossos papeis são muito menos monolíticos. Somos todos tão diferentes – em nossas formas de lidar com amor, sexo, política, consumismo, casamento, religião... - , mas, ao mesmo tempo, sentimos a necessidade de pertencer, a necessidade do direito de fazer parte da ágape.

Teria que ser um romance também com traços Dostoievskyanos, farto de debates sobre Filosofia, Psicanálise, Existencialismo e Fé, em meio a cenários de miséria humana absoluta – não necessariamente a miséria de ausência de bens, mas a miséria no sentido mais amplo: a miséria de perspectiva e conhecimento.

No romance sobre a minha vida, os acontecimentos do dia a dia (o cotidiano que nos rodeia e muitas vezes nos assusta) seriam usados para analisar a cultura contemporânea e toda a violencia a que estamos vulneráveis, enquanto individuos.
Afinal, somos todos capazes de transgressões?, temos todos, dentro de nós, o “gene” que nos condena a estarmos sempre propensos a violência – seja ela física ou subjetiva?, como expressar a nossa nata agressividade sem com isso comprometer o nosso bem estar e, consequentemente, o dos que nos rodeiam?

Acerca dessa questão, existe uma serie de correspondências entre Einstein e Freud durante a Guerra (no Brasil, reunidas em um livro sob o título “Por Que a Guerra?”), em que, em um certo momento, Freud é perguntado por Einstein se ele acha que um dia a violência deixará de existir, ou se ela é inata ao ser humano. Freud responde que infelizmente ele acha que a violência é inextinguível. Einstein não se conforma, e manda outra carta, tentando contra-argumentar, a qual Freud encerra respondendo “Lamento, mas humanos somos assim”. Enquanto humanos sentimos, erramos, celebramos, nos arrependemos, choramos e comemoramos. A forma com que encaramos cada um dos acontecimentos e a forma complexa como reagimos as marcas que ficam, é que nos define.

Muitas vezes, a nossa necessidade – enquanto sociedade - de apontar, julgar e condenar o(s) outro(s) nasce necessariamente do fato de que, a partir do momento em que apontamos, julgamos e condenamos, estamos transferindo ao(s) outro(s) as culpas e responsabilidades, e tentando vagamente esquecer que também somos capazes de errar e transgredir, que somos todos capazes – como aquele(s) que ora julgamos - de vermos despertadas em nós forças desconhecidas ou ignoradas. A realidade tem uma razão de ser, e se essa realidade se manifesta nas outras pessoas, ela deve existir também em nós.

Mas o romance da minha vida teria que ter mais um elemento – alem da sensibilidade extraordinária do Kundera, e da razão e crueza do Dostoievsky... Teria que ter o realismo fantástico do Gabriel Garcia Marquez, onde as mulheres são tão belas, os amores são tão profundamente vivenciados, as relações são tão fortes, o inanimado torna-se vivo de forma perfeitamente natural, e a vida é vivida, em ultima instancia, como uma grande poesia, em meio a prantos e sorrisos – mas, ainda assim, poesia!

Seria possível viver em um mundo tão louco, dinâmico e diverso, se não conseguíssemos vislumbrar poesia nas pessoas, lugares, ações?

5 comentários:

Ovídio Maribondo disse...

Adorei Lisinha, primeiro pela temática e sensibilidade do texto, e também por você ter voltado a escrever aqui.

Eu acho que minha vida seria em forma de cordel, cheio de rimas pobres! :D

Beijocas

Sabrina Noureddine disse...

Simplesmente lindo...
Parabéns!!!

Thaysa Ramos disse...

Olha..eu nao sei, mas que e profundo e...rsssss

Lari Bohnenberger disse...

Nossa!
Uma mistura de Kundera, Dostoievsky e Grarcia Marques? Seria um romance e tanto.
Assim, de sopetão, fica difícil escolher os componentes do romance que seria a minha vida. Mas com certeza seria um misto de leveza cotidiana com eventuais surtos de ira, um tanto de insanidade, uma pitada de fantasia e muito, mas muito senso de humor.
Bjs!

Thaysa Ramos disse...

Kd...to perando o resto...