3 de mai. de 2006

Shhhhhhhhhhhh!!!

Há coisas que a gente não percebe por serem muito pequenas para serem vistas; outras, por serem imensas!
Eu estava em um shopping center há alguns dias, sentada, tomando café e lendo, quando despertei para o universo ao meu redor. Olhei em volta, pessoas passando, algumas apressadas, algumas sorrindo, algumas absortas em seus pensamentos. A vendedora forçando um sorriso para a cliente indecisa e aborrecida. O adolescente comendo pizza com a namorada. As colegas de trabalho tomando sorvete no intervalo entre os turnos. O casal apressado para não perder a sessão de cinema.
Tentei imaginar que aquele prédio era uma imensa televisão, e que o controle remoto estava em minhas mãos. De repente, eu resolvo baixar o volume, até que viramos filme mudo. Nada de música ambiente, nada de argumentos, conversas ou pedidos. Começo a ver todas as pessoas sem o som, sem aquela nuvem de freqüências sonoras que nos molha lá de cima. Seus movimentos - de alguns, desengonçados; de outros, em vigilância. Suas expressões faciais. A criança que quer impor à mãe a sua vontade negada – talvez um sorvete, talvez um brinquedo: ela não apenas berra, mas também se movimenta irritantemente, como se o som que emitisse não fizesse mais efeito. A garota, tímida, na loja de CD´s, sentindo-se completamente alheia e isolada do mundo: não está mais, o silêncio me fez percebê-la. As amigas que fingem conversar, enquanto, na realidade, estão avaliando a aparência uma da outra: seus cabelos, seus sapatos, suas maquiagens. O grupo de adolescentes, que insistem em movimentos caricatos para provarem aos outros – e a si mesmos – que fazem parte de uma determinada tribo.
É interessante observar as pessoas e as situações sem o som. Qualquer dia desses, farei esse mesmo exercício em uma feira livre!
Partindo, então, desse prazer de, às vezes, nos abstrairmos de todo e qualquer impulso sonoro, resolvi listar alguns momentos em que o silêncio nos é perceptível, e extremamente reconfortante:
- após o ensaio de saxofone do vizinho;
- ao desligar a TV, minutos depois do início do horário da propaganda política eleitoral;
- conseguir ouvir o virar da página do livro que estamos lendo;
- o cessar da chuva da madrugada;
- o sorriso cúmplice e apaixonado, que dispensa palavras;
- o exato momento em que o filme se encerra, e as luzes do cinema se acendem;
- o consentimento de um abraço, a partir de um olhar;
- perceber o momento em que a pilha do relógio da sala acabou.

A magia do silêncio está em termos consciência de que ele é extremamente frágil, uma bolha de sabão a ser estourada a qualquer momento. E então, mergulharmos, novamente, em nosso universo de músicas, inflamados debates e todos os demais instrumentos da orquestra que toca a sinfonia de nossa selva de pedra.

6 comentários:

Anônimo disse...

Oi Lisa!!
Nossa..podia jurar que comentei no outro post..¬¬
Bom..deve ser coisa da idade..hehehe
Mas é mesmo difícil entender quando uma pessoa pensa como o seu "amigo"..
Ainda bem que vc já superou isso..afinal..esse alguém que não soube nem o que é uma amizade sincera como a sua não a merece..
O texto de ontem também é fantástico! =)
Imagina na feira..deve ser muito bom..
Para perceber que as pessoas não são apenas as palavras, mas também seus gestos e maneiras..
Aii..agora estou curiosa pra saber como é ter um vizinho saxofonista..desde a primeira vez que vi seu blog..e o texto em que vc fala sobre ele..ou ela, não sei..
Beijinhos..boa semana! (mais curta, graças ao 1º de maio! rs)

Anônimo disse...

Eu complementaria....


Quando fecho a porta na cara da minha mãe e somo o som da Belíssima...
Quando algum esquerdista cala a boca....

Anônimo disse...

Lisa, gostei MUITÍSSIMO do seu texto! Descobri agora que vc tem um blog! Como você não me contou antes?
Só diso uma coisa: queria escrever como você!
AMEI!
=*
Dé!a

Anônimo disse...

Que gostoso! Vc me fez enxergar através dos seus olhos, ouvir (ou deixar de ouvir) através dos seus ouvidos... Por um instante, me lembrei de Veríssimo...
Bjs no coração.

Anônimo disse...

Oi Lisa, estou no meu trabalho, e acabei de ler o "Shhhhhhh!!!".Peguei carona no seu "observatório", sentei numa praça de alimentação de um Shopping qualquer, e descobri que certamente há silêncios que valem mais que palavras, então... o silêncio fala !!!
Amo os seus textos.
Bjs
Lígia Beuttenmüller

Anônimo disse...

Que delícia esse novo "cafofo" moça!
Mais clean e dá pra visualizar melhor a foto dentro do contexto do texto..
Muito bom mesmo ;)
Beijão