22 de fev. de 2006

Genealogia

Nasci do casamento do Amor com a Insegurança. Em minha infância, comi meus pais, tentativa frustrada de fugir de minha herança genética.
Meus irmãos - Hipocrisia, Alienação e Prepotência -, pareciam não se importar e não questionar coisa alguma (sim, somos sobrinhos da Dúvida), felizes em seu mundinho cinza. Comi a Hipocrisia e a Prepotência – essa última me proporcionando um dificílimo trabalho de digestão!. Decidi, por cansaço e por achar q não seria prudente, poupar a Alienação. Poderia precisar de um ombro fraterno para muitas situações futuras!
Minha infância foi cinza, tornando-se parda a minha adolescência até que negra a minha entrada na vida adulta. Após um breve e estéril casamento com o Pessimismo, morri. Como sou neta do Esquecimento, e a Morte – segundo me foi dito – não passava de um parente distante – ignorei o fato. Levantei, ainda envolvida em brumas, e segui. Pisei descalça no chão frio, senti o gosto de ferro em minha saliva e excessiva sudorese. Comi algodão. Conheci o Delírio, mas nossa relação durou pouco, pois o injetei em minha veia! Casei com a Dissimulação, e me envolvi extra-conjugalmente com o Fracasso.
Então conheci a Lucidez – na verdade, já éramos velhas conhecidas, mas só prestei realmente atenção nela depois que a Alienação conheceu a Morte. Minha irmã morreu de tédio. Transformou-se, inexplicavelmente. Mudou do estado sólido para o líquido, e finalmente, para o gasoso. Isso tudo em um par de minutos! Tentei sorvê-la, exalá-la, mas ela parecia finalmente ter aceitado seu parentesco - ainda que distante - com a Morte. Senti-me só, e a Lucidez me fez companhia. Uma companhia desagradável, inconveniente, que aparecia sem ser convidada. Essa companhia me custou o Desejo e a Fragilidade – antigos companheiros. Foi então que a Dissimulação pediu divórcio, deixando-me com Insegurança (que herdara o nome da avó) e Auto-Piedade.
Cansada, já com os pés tão gelados, aquele gosto férreo ainda na boca, e banhada de suor, abri os olhos, e percebi que estava com a Morte. Estivera ali durante todo aquele tempo, eu apenas sonhara que não (resquícios ainda de Delírio em minhas veias!). Comi Insegurança e Auto-Piedade (será que eles realmente existiram?), e deitei-me feliz, no chão frio.
Será que existi, será que vivi? Cerrei os olhos e adormeci.

Um comentário:

Thaysa Ramos disse...

Lisa! Esse texto e seu?! :/